quinta-feira, 28 de março de 2024

DE VOLTA AO BIG BANG ETC. — CONTINUAÇÃO

NEM TODAS AS VERDADES SÃO PARA TODOS OS OUVIDOS E NEM TODAS AS MENTIRAS PODEM SER RECONHECIDAS COMO TAIS.

Governos devem se preocupar com os preços dos alimentos, mesmo que essa preocupação se deva à queda da popularidade do presidente. O empenho de Lula em tentar conter a carestia geral, que visa reduzir danos pessoais.  pode melhorar as coisas, mas não resolve o problema, já que a perda de prestígio do presidente não se deve unicamente a questões econômicas. 
Nos dois reinados anteriores, as pesquisas qualitativas captavam na seguinte resposta um dos — senão o principal — motivos do sucesso de público: "Os alimentos estão baratos". Mas  nos tempos de antanho o petista tinha a vida facilitada pelo ambiente internacional e, internamente, por uma de punhos de seda. Lidar com a meiguice do PSDB de Fernando Henrique — o vilão que lhe deixou a suposta herança bendita — era pinto diante da ferocidade da extrema-direita bolsonarista troglodita. 
Lula sem filtro sempre existiu; o que mudou foi o grau de tolerância com a personagem que, para piorar, acrescentou ressentimento e adicionou doses cavalares de onipotência a seu desempenho. Sendo ele quem é, não se espera expiação pública, mas seria conveniente que, em suas conversas com o travesseiro, reconhecesse que o ego entumecido e a língua sem tramela têm culpa nesse cartório. Em não o fazendo, corre o risco de ficar prisioneiro das garras do autoengano e ver seu tão sonhado quarto mandato cair da ponte que partiu.

Diferentemente dos buracos negros, que, como vimos, já foram observados e fotografados, os buracos brancos carecem de comprovação científica. Supõe-se que eles sejam regiões do espaço-tempo e da singularidade que funcionam de maneira oposta à dos buracos negros. Se nem a luz escapa de um buraco negro, nada entra num buraco branco, e de onde nada entra, nada pode sair. Mas a astrofísica está longe de ser uma ciência exata, e é justamente essa característica que a torna tão cativante.
 
Muitos astrofísicos sustentam que o buraco branco é uma espécie de regressão no tempo de um buraco negro, e que a singularidade que originou o Big Bang é o melhor exemplo disso. Mas há quem diga que esses "buracos negros invertidos" nunca foram observados de fato e, portanto, não existem — a esta altura vale lembrar Carl Sagan: "A ausência de evidências não é evidência de ausência". 
 
Se um buraco negro "engole" tudo que se aproxima de seu horizonte de eventos em um universo, um buraco branco "vomita" essa matéria em outro universo. Assim, se a matéria do Big Bang for mesmo aquilo que um buraco negro de outro universo engoliu, e que a informação dessa matéria não se perdeu, a existência de universos paralelos é viável à luz da entropia, até porque a energia escura é na verdade a força com que um buraco branco despejou a matéria do outro lado da singularidade, gerando um novo universo.
 
Observação: A maior parte da energia no universo é composta por matéria escura e energia escura, sendo esta última a responsável por cerca de 70% da energia total e pela aceleração da expansão cósmica. 
 
entropia é uma grandeza da termodinâmica que mede a evolução dos sistemas de um estado de ordem para desordem. No que tange à passagem de tempo, ela não só explica as mudanças quânticas de um sistema como comprova o próprio tempo como fisicamente real. Em tese, é impossível revertê-la, pois a desordem das partículas aumenta progressivamente num processo unidirecional. 

Da mesma forma que um cubo de gelo não pode "recongelar" dentro de um copo, não se pode voltar no tempo, pois as coisas vão de um estado organizado para um estado desordenado conforme o tempo avança. Isso significa que podemos explicar o passado com as informações em um sistema, mas não podemos prever o futuro, já que, em tese (*), a entropia sempre aumenta e o tempo sempre segue adiante. 
 
(*) Se a quantidade de entropia produzida em um evento for suficientemente pequena, ela pode reverter o tempo, já que o princípio da superposição quântica admite dois estados sobrepostos em um sistema (como na teoria do Gato de Schrödinger). Via de regra, o tempo é um parâmetro sempre crescente, mas, aplicado às setas do tempo, essa teoria sugere que os sistemas quânticos podem evoluir simultaneamente em ambas as direções temporais.
 
A possibilidade de voltar no tempo nos leva de volta (sem trocadilho) aos buracos de minhoca, que, como foi dito em outras postagens, são uma espécie de túnel que interliga dois pontos no espaço-tempo. Teoricamente, isso permitiria que uma espaçonave entrasse por uma boca e saísse pela outra logo depois, ou seja, que percorresse milhares de anos-luz em minutos e chegasse a galáxias diferentes, neste ou em outro universo, no presente ou em outro ponto da linha do tempo.

Ao contrário dos buracos negros — cuja existência já foi comprovada —, os buracos de minhoca permanecem no campo das teorias. Mas se eles forem tão comuns quanto as estrelas e possuírem entradas com raios entre 100 e 10 milhões de quilômetros, como acreditam alguns astrofísicos, detectá-los é apenas uma questão de tempo. 
 
Continua...

quarta-feira, 27 de março de 2024

O BRASIL VIROU UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

 

No Rio, a criminalidade transbordou das bocas de fumo e escritórios da milícia para os palácios Guanabara e Laranjeiras — sede do governo estadual e residência oficial do governador respetivamente. Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro ocupou a tribuna da Câmara para elogiar milicianos — gente que despia a farda de policial nas horas vagas para vender segurança a preços módicos a comerciantes e moradores das áreas conflagradas. Na campanha de 2018, ensaiou um lamento: "As milícias tinham plena aceitação popular, mas depois acabaram se desvirtuando, passaram a cobrar “gatonet” e gás". 


Faltou mencionar o transporte clandestino e as construções ilegais, mas, vindo de que tinha a seu redor o ex-sargento da PM Fabrício Queiroz e o ex-capitão do BOPE Adriano da Nóbrega, o lapso de memória foi compreensível. (Queiroz se livrou da cadeia graças ao prestígio dos amigos nos tribunais superiores de Brasília, e Adriano foi fuzilado no interior da Bahia.)

 

Pegando carona na campanha do "mito" à Presidência e prometendo extinguir a corrupção "mirando na cabecinha" dos bandidos, o ex-juiz Wilson Witzel se elegeu governador, mas acabou deposto por desvio de verbas da saúde. Antes disso, seu antecessor Luíz Fernando Pezão armou com Temer a tal intervenção federal cenográfica na segurança do estado fluminense.


Marielle Franco e seu motorista foram assassinados em março de 2018. No último domingo — ou seja, 6 anos de 10 dias depois — a PF concluiu o inquérito e prendeu os irmãos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa, apontados como "mentores intelectuais" da execução. O crime ocorreu dois dias depois que o então presidente Michel Temer decretou intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro sob o general Braga Netto (que viria a ser candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Bolsonaro em 2022).

 

Os irmãos que estrelaram o epílogo escrito pela PF para o caso frequentavam o rol dos suspeitos desde o início das investigações, mas foram blindados por um delegado que se dizia "amigo" da vítima enquanto era remunerado pela milícia. A "federalização" do inquérito, sugerida pela então procuradora-geral Raquel Dodge e pelo então ministro da Segurança Pública Raul Jungmann, se deu somente em fevereiro de 2023, quando o ministro Flávio Dino guindou a elucidação do caso ao patamar de "questão de honra" e impôs à PF o desafio de provar que não existe crime perfeito, mas crime mal investigado. 

 

Ironicamente, a familia de Marielle guerreou pela manutenção das apurações no âmbito estadual, levando água ao moinho dos criminosos, que assim conseguiram embaralhar as investigações por seis anos. Em setembro de 2019, no apagar das luzes de sua gestão, Dodge tornou a requisitar a federalização ao STF — foro do conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão —, mas seu pedido tornou a ser indeferido.  Quando Dino finalmente incluiu a PF no jogo, os executores Ronnie LessaÉlcio Queiroz já estavam presos, e os "mentores" Domingos e Chiquinho Brazão eram tratados como suspeitos de encomendar a execução.

 

A PF não partiu do zero ao ser acionada por Dino. Mesmo o envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa — que chegou a consolar a família de Marielle após o crime — já era cogitado havia pelo menos cinco anos, e em 2019 o atual superintendente da PF no Rio, Leandro Almada — que havia coordenado uma investigação das obstruções que travavam a elucidação do caso — anotou em seu relatório que a atuação de Rivaldo merecia ser averiguada (o policial era suspeito de receber R$ 400 mil para acobertar o crime). Dias atrás, o ministro Ricardo Lewandowski — que substituiu Dino na pata da Justiça — revelou à imprensa que o Supremo havia homologado a delação premiada de Ronnie Lessa —o criminoso acusado de puxar o gatilho — e que a solução do assassinato se daria em breve.  

 

A presença de personagens que frequentavam a cena do prefácio do crime ao epílogo da investigação evidencia que: 1) as relações promíscuas entre criminosos, autoridades e o aparato policial produzem um câncer que carcome as entranhas do Estado, tornando-o coautor do crime; 2) o tumor não será extirpado sem a participação do governo federal. Nesse contexto, a elucidação tardia deveria ser considerada não como o fim, mas como o início de um processo de reestatização do combate ao crime organizado no Brasil. Falta esclarecer a motivação — que Lewandowski apenas tangenciou de forma primária. 


A prisão dos mentores intelectuais impôs a mudança do letreiro da novela "Quem mandou matar Marielle?" para "Quem vai reestatizar a segurança pública no Rio de Janeiro?". Até porque a PF revelou um segredo de polichinelo: não há organizações criminosas no Brasil; o Brasil é uma organização criminosa de dimensões continentais. 


Domingos e Chiquinho Brazão ocupam respectivamente as funções de conselheiro do TCE-RJ e deputado federal, os "executores" Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são egressos da PM, e Rivaldo Barbosa — o chefe de polícia que deveria elucidar os homicídios — não só estava no bolso dos milicianos como foi nomeado para o cargo pelo general Braga Netto, então interventor federal na segurança do Rio e atual coadjuvante do inquérito em que arde o alto-comando da intentona bolsonarista. 

 

Domingos foi de deputado estadual a conselheiro de contas em 2015 com o aval do presidente da Alerj, o deputado André Ceciliano, do PT. Eclético, o atual chefe da Secretaria de Assuntos Federativos do terceiro governo Lula já fez campanha no RJ para Dilma e Bolsonaro. O irmão Chiquinho, que se elegeu deputado em coligação com o governador bolsonarista Claudio Castro e pedia aval à Justiça Eleitoral para migrar do União Brasil para o Republicanos (ambos compõem a coligação de Lula), foi expulso do UB antes de sentar praça na nova legenda. Até o mês passado, o parlamentar integrava o secretariado do prefeito Eduardo Paes, mas reassumiu a cadeira na Câmara ao saber que Ronnie Lessa levara os lábios ao trombone numa delação à PF


Observação: Ronnie Lessa e Élcio Queiroz prestavam serviço ao Escritório do Crime, estruturado ex-PMs major Ronald Paulo Pereira e capitão Adriano da Nóbrega — ambos homenageados na Alerj com menções honrosas propostas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, em cujo gabinete o miliciano enfiou uma ex-mulher e a mãe.

 

As travas que retardaram a elucidação do caso escancararam as entranhas do relacionamento promíscuo entre a criminalidade e o aparato estatal no RJ. As milícias aderiram à lógica das coalizões, dominaram territórios e passaram a controlar o voto, eleger bancadas e indicar prepostos para cargos públicos — não só na área de segurança. Lula, que rompeu a inércia quando autorizou Dino a colocar a PF no encalço dos criminosos, deveria aprofundar o serviço capitaneando um movimento pela reestatização da segurança — não só no Rio, mas também outras praças. Resta saber se terá ousadia compatível com o tamanho da empreitada.

 

A volta de Mauro Cid para a cadeia sugere que a denúncia de Bolsonaro e de seus cúmplices militares e paisanos na "suposta" tentativa de golpe de Estado seja mera questão de tempo. O ex-capitão é alvo de 7 investigações no STF, das quais três, incluindo a do cartão de vacina, correm dentro do chamado "inquérito das milícias digitais". Os crimes imputados a ele pela PF têm pena de até 15 anos de prisão


Na Presidência, Bolsonaro se comportava como um suicida didático; agora, assombrado pela perspectiva de uma prisão que já enxerga como incontornável, deixa-se filmar esboçando algo muito parecido com uma rota de fugaNa última segunda-feira, o jornal The New York Times revelou que ele se hospedou na embaixada da Hungria em Brasília quatro dias depois que o ministro Alexandre de Moraes mandou recolher seu passaporte. Constrangido pela divulgação das imagens, o "mito" confirmou que passou dois dias lá, "conversando com autoridades da Hungria". Considerando que apenas 20 minutos separam sua residência em Brasília do prédio da embaixada, fica difícil revestir de lógica uma desculpa tão esfarrapada, incapaz de deter a maledicência segundo a qual o ex-verdugo do Planalto se equipa para pedir asilo diplomático ao déspota húngaro Viktor Orbán, a quem já chamou de "irmão".


Observação: Convocado a dar explicações sobre o caso, o embaixador da Hungria no Brasil, Miklos Halmai papagueou a versão apresentada por Bolsonaro. Segundo fontes do Itamaraty, o diplomata ficou trocando mensagens pelo celular com seus superiores durante toda a entrevista (que durou 20 minutos). Mas a pergunta é: alguém esperava alguma coisa diferente?


Ninguém em sã consciência deixa tantas pistas óbvias, mas Bolsonaro, como uma caricatura que foge ao controle de si mesma, antecipa a rota de fuga. Para deixar o Brasil, ele precisaria de um salvo-conduto do governo. Negando-o, Lula estimularia os devotos do mito a erguerem suas barracas no setor de embaixadas de Brasília. Tanto didatismo submete esse dejeto da escória da humanidade ao risco de amargar antes da hora uma prisão preventiva que o STF prefere evitar.

terça-feira, 26 de março de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 4)

 

Na festa do 44º aniversário do PT os desafios da legenda foram insinuados na lista de presentes e ausentes. Abaixo de Lula e respectiva cuidadora destacaram-se José Dirceu e Delúbio Soares — uma dupla com um enorme passado pela frente — e o vice Geraldo Alckmin, que até anteontem dizia que eleger Lula era promover a volta do criminoso à cena do crime. A ausência mais notada foi a de Fernando Haddad, cuja aprovação pelo mercado financeiro cresceu de 43% para 50% desde o final do ano passado, enquanto a rejeição de seu chefe disparou de 52% para 64% no mesmo período.

 

O PT foi fundado em 1980 com o propósito de fazer política sem roubar nem deixar roubar, mas fez da corrupção a pedra fundamental do projeto de poder de seu xamã. Embora os petistas se valessem desde sempre da experiência secular dos comunistas em aparelhamento do Estado para disseminar a corrupção nas prefeituras administradas pelo bando, o fedor de podre só contaminou a atmosfera quando Roberto Jefferson, o barítono do Mensalãodenunciou o que acontecia nos porões palacianos. 

 

Durante as gestões de Lula e Dilma os cofres públicos foram saqueados pela mais vil agremiação de ladrões que já rastejou pelo Planalto. Além de enriquecer os envolvidos e ensejar a distribuição de bilhões em propina na forma de caixa 1, caixa 2, dinheiro vivo, depósitos em contas secretas e vantagens dissimuladas, o dinheiro pilhado bancou as campanhas presidenciais de 2006, 2010 e 2014. 


Resumo da ópera: Mensalão e Petrolão transformaram o "partido do futuro" em "partido do 'faturo'", e adubaram a semente do bolsonarismo. 


Na campanha de 2022, Lula anunciou que seu terceiro mandato seria o último. Eleito, voltou a acalentar o sonho da reeleição. Em tese, Haddad seria a melhor escolha para renovar o arco democrático que se formou em 2022, mas Lula sempre sufoca lideranças emergentes que tenham potencial para lhe fazer sombra, e assim se torna uma "palmeira hegemônica e solitária no gramado da esquerda".


Lula já culpou a OTAN e o presidente Zelensky pela invasão da Ucrânia, garantiu Putin não seria preso durante sua visita ao Brasil e fez malabarismos para não culpá-lo pela morte do opositor Alexei Navalny. Ele próprio enviou uma carta ao Kremlin parabenizando o déspota pela "vitória" (com receio de que um apoio expresso do Itamaraty aumentasse ainda mais a reprovação de seu governo). Criticou o trabalho do presidente do BC na calibragem da política monetária e ameaçou intervir na Petrobras e na Vale (derrubando em bilhões o valor de mercado das duas maiores empresas do país). 


ObservaçãoA ingerência do governo em companhias abertas vem contribuindo para azedar ainda mais o humor de investidores em relação ao Brasil. Analistas do banco de investimentos Goldman Sachs recomendam a troca de ações de estatais brasileiras por ações de empresas privadas depois que o intervencionismo do governo superou o desequilíbrio nas contas públicas no ranking dos principais riscos no Brasil. 


Na Segurança, a percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Dino e tudo indica que não mudará sob Lewandowski. Se a economia foi bem, o desemprego diminuiu, o PIB cresceu e inflação ficou sob controle, não foi graças a Lula, mas apesar dele. E a sensação de melhora ainda não se disseminou entre as pessoas que vão à feira e ao supermercado. Incumbido de desenvolver estratégias para mudar, o marqueteiro baiano Sidônio Palmeira (que atuou na campanha de 2022) precisará da ajuda dos Orixás para de moldar com fumaça a jabuticaba do presidente, já que não existem árvores dando frutos na paisagem.]


Parecendo acreditar que sua impopularidade se deve a "problemas de comunicação", Lula manda seus 38 ministros baterem o bumbo, como se houvesse grandes coisas a alardear. Na reunião do último dia 18, a ministra da Saúde deixou a sala em prantos. Os responsáveis pela Comunicação Social e pela Justiça e Segurança Pública também ficaram sob a mira do chefe. Alguém deveria lembrar o presidente de que as pessoas não se transformam no que não são, e que cabe a ele combinar os atributos dos escolhidos às funções a serem exercidas.


A percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Flávio Dino e, pelo que tudo indica, vai mudar sob Lewandowski, que vem vinha tentando de tudo para demonstrar sua serventia. O tudo não quis nada com ele até domingo, quando uma operação da PF resultou na prisão de três supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco. Quanto à perseguição aos foragidos da penitenciária de Mossoró — que, segundo o ministro, "está se desenvolvendo com êxito" —, basta dizer que já se passaram 40 dias e foram gastos mais de R$ 800 mil sem que o paradeiro dos fugitivos se tornasse menos incerto e mais sabido.

 

Na terceira gestão da tal "palmeira hegemônica" — que terá 81 anos quando e se iniciar seu tão sonhado quarto mandato — o PT sobrevive ao presente reciclando o passado. As manifestações que partidos, sindicatos e movimentos sociais identificados com o governo petista realizaram no último sábado foram dispersas e pulverizadas em duas dezenas de cidades. O contraponto com o ato em que Bolsonaro lotou sete quadras Avenida Paulista em fevereiro foi instantâneo. Lula farejou o cheiro de queimado e declinou do convite de ornamentar o fiasco com sua presença, mas não se livrou do contraponto político: no plebiscito do asfalto, a esquerda lulista levou água para o monjolo da estratégia bolsonarista.


Atormentado com o cerco criminal das investigações sobre o golpe, as joias e os cartões de vacina, Bolsonaro oscila entre dois papéis. Nos inquéritos da PF, faz a pose do fraquinho perseguido; em seu rolê pelo país, exibe o figurino do cabo eleitoral com musculatura para mobilizar a rua contra sua prisão — que, tudo indica, é mera questão de tempo. Quando a sentença chegar, ela será cumprida, mas o bolsonarismo não irá para a cadeia com seu "mito". A hipótese de convulsão social é um delírio do ex-presidente golpista, mas sua militância, que continua nas patas do coice, dificilmente voltará para a garrafa, até porque a pior cegueira é a mental e o pior cego é o que não quer enxergar. 


Onde há política, há cisão. Dividir para conquistar é uma tática usada desde sempre por facínoras, ditadores e populistas. Nos EUA — paradigma dos países democráticos —, Donald Trump voltou à cena atacando os imigrantes e culpando Biden pelas "onze pragas do Egito". Por estas bandas, Lula continua praticando ad nauseam o execrável "nós x eles" que inaugurou em 2002. Bolsonaro foi gestado e parido pela mesma polarização que ressuscitou o pontifex maximus da Petelândia, e ambos se retroalimentam do ódio que disseminam. 


O "coisa" e seus baba-ovos não passam um sem atacar o lulopetismo, seja com meias verdades, seja com mentiras grotescas. Lula, o PT e seus satélites respondem à altura — isso quando não disparam o primeiro petardo. Para quem está a uma distância segura desse patético furdunço, chega a ser divertido ver as torcidas organizadas duelando por seus bandidos de estimação, comparando Mensalão e Petrolão com rachadinha, golpe de Estado, falsificação de documentos, contrabando de joias e por aí afora. Lobotomizados pela polarização e cegos pelo fanatismo, essa escumalha só enxerga crimes quando quando quem os comete está "do outro lado da balcão".


Ao atiçar a polarização, Lula se distancia do "eleitor mediano" que o ajudou a subir a rampa pela terceira vez impedir a morte matada da democracia. Com suas manifestações chochas, a petralhada fornece doses extras da seiva vital que mantém vivos o bolsonarismo e o antipetismo, num círculo vicioso que só o diabo sabe como, quando e se vai terminar. 


Quem tem dois neurônios minimamente funcionais sabe que "a turma de cima" não caiu do céu — políticos demagogos, populistas e corruptos não brotam por geração espontânea, mas pelo voto dos apedeutas — e que há distinção entre "eles" e "nós", apenas uma separação eminentemente oportunista. 


Triste Brasil.

INTERNET NA VELOCIDADE DA LUZ

A CRIANÇA SÓ DESCOBRE O QUE É UM MARTELO QUANDO CONFUNDE O DEDO COM UM PREGO.

Quem acompanha a política nacional não descarta a possibilidade de a delação de Cid terminar como as condenações da Lava-Jato. Não com um STF que transformou Lula em "ex-corrupto", deu ganho de causa a delatores que voltam atrás em suas delações, anulou multas e suspendem a devolução do dinheiro roubado. 
No país do futuro que tem um imenso passado pela frente, investigações que envolvem políticos e/ou empresários importantes emanam o inconfundível cheiro de pizza. Dependendo de quem está no poder, provas são anuladas, multas são perdoadas e tudo fica como dantes no quartel de Abrantes. 
Vivemos num pais com muitas leis, pouca vergonha na cara e nenhuma segurança jurídica. Está claro como o dia que Mauro Cid fez o que fez e que Bolsonaro et caterva tentaram dar um golpe de Estado. E a recente "elucidação" do caso Marielle deixa igualmente claro que não há organizações criminosas no Brasil. O Brasil é uma organização criminosa. 

A saudável concorrência entre as operadoras de telefonia celular propiciou o barateamento das redes de internet móvel (4G/5G) e ensejou o acesso ilimitado (sem consumo de dados do plano) a aplicativos como WhatsApp e redes sociais como Twitter, Facebook etc. 

No aconchego do lar é preferível usar um roteador Wi-Fi, que proporciona conexão mais veloz, estável e ilimitada (a gente pode fazer downloads e uploads pesados e assistir a filmes em streaming sem se preocupar com a franquia de dados), mas o Wi-Fi pode estar com os dias contados. 

O Li-Fi (de Light Fidelity) é um sistema wireless bidirecional que transmite dados por luz de LED ou infravermelha. Quando ele for disponibilizado comercialmente, bastará uma lâmpada com um chip para propagar o sinal, que deve superar consideravelmente a velocidade e a largura de banda das 
redes Wi-Fi, cuja capacidade limitada as torna mais lentas conforme  o número de usuários conectados aumenta. 
 
Com uma frequência de banda de 200.000 GHz — frente aos 5 GHz máximos do Wi-Fi —, o Li-Fi será 100 vezes mais rápido e poderá transmitir muito mais informações por segundo. Um estudo feito em 2017 pela Universidade de Eindhoven com luz infravermelha relata que a velocidade de download alcançada num raio de 2,5 m foi de 42,8 GB/s — contra os "míseros" 300 MB/s do Wi-Fi.
 
Resumo da ópera: 1)
 o Li-Fi promete ser 10 vezes mais rápida que o Wi-Fi — e mais barato, já que dispensa roteador e consome pouca energia; 2) o espectro luminoso, que é 10 mil vezes superior ao radioelétrico, deverá proporcionar um sinal livre de interrupções, tornando a conexão muito mais estável; 3) qualquer luminária acoplada a um emissor pode se tornar um ponto de conexão, e o fato de a luz não atravessar paredes evita que intrusos interceptem as comunicações (como fazem atualmente com as redes Wi-Fi); 4) a luz eletrônica não interfere nas comunicações por rádio nem compromete as transmissões de aviões, barcos etc.; 5) a adoção da nova tecnologia pode impedir o colapso do espectro radioelétrico que, de acordo com Harald Haas, inventor do Li-Fi, deve acontecer já no ano que vem.

Se o Li-Fi vai mesmo aposentar o Wi-Fi e as redes móveis, só o tempo dirá. É provável que ainda demore alguns anos para vermos postes de iluminação que, além de clarear as ruas, oferecem conexão com a Internet "na velocidade da luz".

segunda-feira, 25 de março de 2024

LIVRE-SE DAS LIGAÇÕES DE TELEMARKETING E SPAM

A QUEM TEM DINHEIRO NÃO FALTAM COMPANHEIROS.

 

Dizem que a ordem dos fatores não altera o produto, que o fruto nunca cai longe do pé e que a desgraça nunca vem sozinha. A denúncia apresentada contra Jair Renan por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica comprova a exatidão dessas pérolas da sabedoria popular: consta que Zero Quatro e seu sócio Maciel Alves tomaram R$ 698 mil em empréstimos bancários usando como lastro um faturamento maquiado de R$ 4,6 milhões da JR da RB Eventos. 
A notícia vem nas pegadas da candidatura do filho do pai a uma vaga de vereador no município catarinense de Balneário Camboriú. Considerando que há zero chance de eventual condenação em segunda instância ocorrer a tempo de impedir a candidatura do pimpolho, cabe ao eleitor balneocamboriuense evitar que mais um membro do clã das rachadinhas e mansões milionárias use o mandato legislativo para se escudar da lei. Não obstante, considerando a maneira como os catarinenses se comportaram nas eleições passadas, a chance disso acontecer é "subzero".
Como observou Churchill, a democracia é a pior forma de governo depois de todas as demais, e o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de 5 minutos com um eleitor mediano.

A ANATEL determinou o uso do prefixo 0303 para as ligações de telemarketing, mas alguns aplicativos e webservices podem ajudar a minimizar o incômodo das ligações indesejadas. 


Implantado em 2019, o site Não Me Perturbe bloqueia chamadas de prestadoras de serviços de telecomunicações e instituições financeiras participantes, tanto em celulares quanto em telefones fixos. Basta se cadastrar, informar o número e/ou o nome da empresa de quem não quer receber ligaçõesO serviço tem abrangência nacional e o bloqueio começa a valer em até 30 dias corridos a partir da data da solicitação, mas tenha em mente que ele não bloqueia ligações de confirmação de dados, cobranças, prevenção a fraudes, oferta de serviços bancários e outras modalidades de crédito.

 

O bloqueio de chamadas do Procon está disponível somente nos estados que não possuem a Lei Não Perturbe. Nesse caso, além de bancos e operadoras de telefonia, também são bloqueadas ligações de operadoras de telemarketing, de cobrança e de empresas terceiras, e a proibição começa a valer em até 30 dias contados da data da solicitação.

 

Existem diversos bloqueadores de chamadas para Android e iOS. Com o Whoscall, o usuário sabe quem está ligando mesmo que o número não esteja salvo na agenda de contatos. O Truecaller identifica chamadas domésticas e internacionais, SMS e números de spam; como a informação é fornecida em tempo real, o usuário pode decidir se atende ou não a ligação.


O iPhone possui um recurso nativo para bloquear chamadas de números desconhecidos. Para ativá-lo, vá em Ajustes, toque no ícone Telefone e  em silenciar desconhecidos. Feito isso, as chamadas irão para correio de voz e serão exibidas na lista de chamadas recentes. 


No Android, abra o app Telefone e, nas configurações, habilite a proteção ID de chamada e spam. Na mesma seção é possível habilitar a função bloquear números desconhecidos, lembrando que esse ajuste descartará qualquer chamada cujo número de origem não estiver gravado na agenda o aparelho.

domingo, 24 de março de 2024

MAIS UM CAPÍTULO DA NOVELA MAURO CID


Dois dias depois que a PF indiciou Jair Bolsonaro e outros 16 investigados no caso da falsificação de cartões de vacina, Veja divulgou o "desabafo de alguém que teve a vida destruída", nas palavras do advogado do também indiciado Mauro Cid. Num longo solilóquio que teria ocorrido por mensagens no WhatsApp com um interlocutor incerto e não sabido, o ex-esbirro do capetão criticou o ministro Alexandre de Moraes, disse que foi constrangido a delatar inverdades e que os inquéritos e as futuras sentenças comporiam um jogo de cartas marcadas cujo desfecho seria um lote de condenações incontornáveis e preconcebidas. 

"Quem mais se fodeu fui eu", choramingou o ex-quase coronel. "Quem mais perdeu coisa fui eu. Ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi. Todo mundo já era 4 estrelas, já tinha atingido o topo, o presidente teve Pix de milhões, ficou milionário. Tá todo mundo aí. Os políticos... Político é até bom essas porra, que depois ele consegue se eleger fácil. O único que teve pai, filha, esposa envolvido [sic], o único que perdeu a carreira, o único que perdeu a vida financeira toda, fodido, fui eu."


Como o vazamento ocorreu no dia em que Bolsonaro completou 69 anos, comentou-se que Cid quis dar um presente de aniversário a seu amo, que, na bica de ver o sol nascer quadrado, trocaria todo o leite condensado da despensa por um tumulto que rebaixasse seus crimes a um debate sobre tecnicidades processuais. Mas o que parecia um mimo se tornou um presente de grego para o mimado e em pesadelo para o mimador. E antes mesmo que as insinuações virassem matéria-prima para a desqualificação dos inquéritos, o diretor-geral da PF representou contra Cid junto ao STF,Moraes o intimou a prestar esclarecimentos. 

 

O depoimento foi conduzido pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete do ministro, e contou com a presença de integrantes da PF e da PGR. O depoente conformou o que dissera na colaboração premiada, ou seja, recuou do tom adotado nos áudios. "Nunca houve induzimento às respostas. Nenhum membro da PF o coagiu a falar algo que não teria acontecido", consta da transcrição do depoimento. "Afirma não ter havido pressão do Judiciário ou da polícia. A decisão foi própria, de livre e espontânea vontade”, prossegue. 


Cid afirmou ainda que os áudios e as falas foram proferidas numa “conversa privada” em que fez um "desabafo". Também afirmou "não estar lembrado exatamente com quem conversou nem quando", que não sabe como as mensagens foram divulgadas, e que teria havido um encontro entre Bolsonaro e Alexandre de Moraes — sobre o qual não deu maiores detalhes nem o ministro se dignou de comentar.

 

Resumo da ópera: Como delator, Cid jamais poderia comentar o contexto e os termos da delação com outros interlocutores que não têm acesso ao material. Ao fazê-lo, violou o sigilo dos termos da delação – desrespeitando mais uma regra. Ferir a confidencialidade da delação caracteriza descumprimento de medida cautelar, e o intuito de atrapalhar a apuração caracteriza obstrução de Justiça.  

Cid chegou a desmaiar quando recebeu voz de prisão, mas foi atendido por brigadistas no local e logo se recuperou. Como as consequências sempre vêm depois, o acordo de colaboração subiu no telhado — sem prejuízo do aproveitamento dos crimes confessados e todas as provas materiais e testemunhais que os corroboram — e a pretensão da defesa de Bolsonaro de converter crimes já mapeados numa grande polêmica sobre tecnicidades processuais virou pó. 

Após uma fase de distanciamento cenográfico, delator e delatado tornaram a frequentar a conjuntura juntinhos, e agora naufragam abraçados. 

sábado, 23 de março de 2024

NADA É IMPOSSÍVEL (OU QUASE NADA)

SE NÃO BUSCARMOS O IMPOSSÍVEL, ACABAMOS POR NÃO REALIZAR O POSSÍVEL.

Mauro Cid entrou para a história das delações premiadas como um caso único de delator que desqualifica a própria delação antes do recebimento do prêmio judicial. 
Num áudio mui suspeito, que chegou à mídia de modo igualmente suspeito, ouve-se uma suposta conversa de Cid com um amigo (cujo nome ele diz não lembrar) na qual o delator diz que foi pressionado a contar inverdades e que o inquérito inconcluso e as futuras condenações são "pratos prontos". Seu advogado qualificou o áudio como um " desabafo de alguém que teve a vida destruída" e afirmou que "de forma alguma compromete a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada". 
Cid aprendeu com Bolsonaro que, em caso de perigo, deve-se atirar no próprio pé e jogar a culpa nos outros. Aparentemente, Cid tentou prestar mais um serviço a Bolsonaro, que, encurralado, sonhava com um tumulto que lhe permitisse reduzir seus crimes a um debate sobre tecnicidades processuais. Mas foi buscar lã e saiu tosquiado.
Chamado a depor no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, Cid afirmou que mantinha os termos e o conteúdo da delação, mas teve sua prisão preventiva decretada a pedido da Polícia Federal mesmo assim, e ainda corre o risco de ter sua delação anulada.
Não faltam à PF provas de que Bolsonaro urdiu o golpe, tramou a venda das joias sauditas e encomendou cartões de vacina falsos para ele sua filha caçula transitarem livremente na terra do Pateta. O conteúdo encontrado no celular de Cid e os depoimentos dos ex-chefes do Exército e da Aeronáutica dariam  para condenar Bolsonaro e seus cupinchas  a penas que eles só conseguiriam cumprir integralmente se reencarnassem. 


Atribui-se a Albert Einstein a autoria do brocardo "o impossível só é impossível até que alguém duvide e prove o contrário". Nos tempos de Colombo, Cabral e companhia, ninguém sonhava que as caravelas de então se transformariam em gigantescos navios de cruzeiro, ou que "máquinas voadoras" cruzariam o Atlântico em poucas horas. Mas toda regra tem exceção. 

Quando escreveu o romance Da Terra à Lua (1865),  Júlio Verne  "errou" por míseras 20 milhas o local exato de onde a Apollo 11 seria lançada dali a 96 anos. E em 1870, quando escreveu 20.000 Léguas Submarinas, o romancista francês concebeu o Nautilus e o descreveu com uma riqueza de detalhes impressionante, considerando que o primeiro submarino nuclear — batizado de SS Nautilus em sua homenagem — seria lançado ao mar dali a 84 anos. Mas isso é outra conversa.
 
Se toda regra tem exceção, talvez seja a exceção que confirme a regra. Na contramão do axioma de Einstein, um conjunto de problemas aparentemente simples permanece sem solução há milhares de anos, ainda que gênios como Euclides, Arquimedes, Descartes e Newton tenham se debruçado sobre eles. Não se sabe ao certo como esses problemas surgiram, mas o mais famoso deles — a quadratura do círculo — remonta ao papiro de Rhind, que foi copiado há cerca de 4 mil anos pelo escriba egípcio Amósis (não confundir com o faraó homônimo).
 
Resumidamente, o objetivo desse conjunto de problemas era encontrar a quadratura do círculo, a trissecção do ângulo, a duplicação do cubo e a inserção de todos os polígonos regulares em uma circunferência — ou, em outras palavra — desenhar um quadrado cuja área fosse a mesma de um círculo, dividir um ângulo em três ângulos iguais, desenhar um cubo com o dobro do tamanho de outro cubo e dividir uma circunferência em partes iguais.  
 
Atribui-se a Donald Westlake o axioma segundo o qual "sempre que algo nos parece fácil, é porque existe uma parte que não ouvimos". Voltando as problemas em questão, a dificuldade consiste em resolvê-los usando somente um compasso e uma régua sem marcações, que eram as ferramentas disponíveis na época em que eles foram propostos (como registrou Euclides em Os Elementos).
 
Arquimedes demonstrou ser possível medir exatamente uma distância usando uma régua com apenas duas marcas. Isso significa que, com ferramentas um pouco mais sofisticadas, os problemas seriam facilmente solucionados. Mas o desafio está em resolvê-los respeitando as regras do jogo.
 
Durante o tempo que passou na cadeia por afirmar que Sol não era um deus, mas uma rocha que ardia em vermelho vivo, e que a Lua refletia sua luz, Anaxágoras tentou construir um quadrado com a mesma área de um círculo usando régua e compasso, mas seus esforços foram em vão. Mais ou menos na mesma época, Hipócrates de Quio — cuja obra foi sintetizada na geometria euclidiana — obteve uma solução parcial ficou conhecida como Lúnula de Hipócrates de Q

Em 1771, o matemático suíço Leonhard Euler chegou a duas novas lúnulas que podiam ser transformadas em quadrados, mas sua descoberta não contribuiu para a quadratura do círculo. Leonardo da Vinci também não resolveu os problemas — mas incorporou seu talento artístico para criar desenhos com eles.
 
No segundo volume de Os Quatro Livros da Medida, o matemático e pintor renascentista Albrecht Dürer usou as ferramentas euclidianas para obter a quadratura do círculo e a trissecção do ângulo, mas foi somente em 1796 que seu conterrâneo Carl Friedrich Gauss conseguiu construir um polígono regular com 17 lados, e a análise feita por ele para comprovar sua descoberta abriu as portas para ideias posteriores sobre a chamada teoria de Galois.
 
O fato de tantas mentes brilhantes se esforçarem tanto para conseguir algo que pode ser feito facilmente com as ferramentas apropriadas contribuiu para impulsionara matemática com a geometria analítica, a álgebra, os números complexos e o número π, entre outros. No caso da quadratura do círculo, a solução veio nas pegadas da descoberta de que π é um número transcendental. 

Após séculos de uma obsessão que chegou a receber o nome de tetragonidzein — que, numa tradução aproximada do grego, significa algo como "ocupar-se com a quadratura do círculo" — a busca chegou ao fim. Até então, milhares de pessoas "sofreram da doença da quadratura do círculo", que, segundo o matemático Augustus De Morgan, afetava os entusiastas mal informados. 
 
Graças a Gauss, sabe-se que π (a área do círculo com raio 1) é transcendente e, portanto, a quadratura do círculo é impossível. E o matemático francês Pierre Wantzel comprovou que os outros três problemas também são insolúveis. Mas nem assim as pessoas se deram por vencidas. 

Em 1897, o Senado de Indiana (EUA) discutiu uma proposta de legalizar um método de quadratura do círculo descoberto pelo médico e matemático amador Edwin L. Goodwin (ela chegou a ser aceita por um comitê, mas acabou sendo rejeitada). Dizem os matemáticos que não existe em sua seleta confraria quem nunca recebeu um email com soluções para os problemas em assunto, mas nenhuma delas revelou ser a "bala de prata".
 
As limitações propostas no arcabouço construído por Euclides levou seus contemporâneos — e às gerações seguintes — a concluir o que se suspeiva desde a Grécia antiga, ou seja, que a solução dos problemas era impossível. Ainda assim, tentar resolvê-los foi muito enriquecedor.
 
Com g1